HEY, ANOS 80!...


Jornais exaltavam o 'nacionalismo'
Por Luis Carlos Coutinho
São vagas as lembranças que carrego dessa geração da qual fiz parte, mas nítidas o suficiente para afirmar que foi, sem sombra de dúvida, a mais importante década que o mundo já escreveu. Um mundo de sonhos, de uma infância doce, ingênua para as agruras de uma família sacrificada pelas injustiças, mas o acalento da Turma do Balão Mágico ou, para os mais aguçados, a magia musical de John Lennon, ou talvez Luiz Gonzaga, já bastavam para estancar a realidade crua. E o Brasil não tinha apenas as sombras da Ditadura opressora que há muitos fez chorar, tínhamos ainda o encanto do futebol, com um Flamengo que mais parecia uma nova religião: Zico e seus súditos faziam a alegria; De cores contrárias, um Maradona que encarnava Deus com a bola. Era mais que isso. Uma tensão no ar, com a corrida especial, opondo as magnitudes bélicas dos Estados Unidos versus União Soviética e seus mísseis inquietos a ponto de jogar o mundo pro ar num piscar de olhos; No cone Sul, a batalha pelas Malvinas colocava a América Latina sob a alça de mira dos Ingleses que, na bala e na força, transformaram o arquipélago em Falklands. Em solo mexicano, Maradona daria o troco quatro anos mais tarde com ‘La Mano de Dios’, explodindo uma paixão que nem mesmo os mais entusiastas peronistas sonhavam. Época de um charme regado a contrastes e contornos da arte.
Maradona e Zico estampavam o futebol na década
Ernesto Geisel, Garrastazu Médici, Costa e Silva, João Figueiredo... Nomes que mais pareciam uma antiga Roma montada dentro do Rio de Janeiro, cidade maravilhosa por imposição do comando armado, mas retratada em outras cores dramáticas por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raul Seixas, Cazuza e tantos outros que logo ganharam a alcunha de ‘rebeldes sem causa’, mas deram voz ao Brasil. Gritos e gemidos reprimidos nos porões do poder, à custa de um sangue tão fervente como o próprio sol das caatingas. Outros legaram a própria vida sem serem notados. Ah, anos 80! De Bossa Nova e Rock n’ Roll, da explosão do jeans e da paixão pelo Fusca, do grito de liberdade e da chibata que ardia feito um crioulo na senzala. Tom Jobim preferiu a ‘Garota de Ipanema’, um tal Luiz Inácio o sindicalismo, eu me contentava com um banho de açude. Era tão puro e fantasioso que nunca parecia acabar.
Fevereiro tinha a cara do Galo da Madrugada, com ‘seu’ Alceu, o Valença e o de Ipaumirim, uma sinfonia impecável, comparada apenas à de Berlim para o nosso tempo. Se era junho, as labaredas de São João, nos terreiros da fazenda, nos tornava tão felizes que não havia mundo além das fronteiras da inocência. Cólera, Aids, maconha, política, desemprego, estupro ou homicídio? Não nos deram dicionários com essas palavras e nem mesmo Televisão nos prendia, a não ser com os Trapalhões. Falávamos de jerimum, da cartilha da Ana e do Zé, do ronco dos caminhões pela pista de ‘seu’ Benício ao Icó... Ainda cheguei a pensar que São Paulo ficava por trás da serra de Lavras da Mangabeira.
Enquanto o povo gritava por Democracia
Hoje, querendo ou não, escuto a ‘dança do Kuduro’; Se ligo a TV vejo pais que matam ou violentam os filhos; Vejo famosos lutando contra o câncer; Vejo homens comprando homens para se manterem no poder a qualquer custo. Abrindo a Internet, espaços que antes serviam para informação, são dominados pelo Facebook, pelo Orkut, YouTube, ferramentas que nos roubam tempo e racionalidade. Talvez seja por isso que lembro mais das rodinhas de fogueira, das brincadeiras de ‘cair no poço’, ao invés de lembrar que um dia meus ouvidos foram violentados pela ‘Lapada na Rachada’.

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